quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Fora dos eixos

Rodo no meu eixo
e ainda me queixo,
ninguém me ama,
mas é puro desleixo.

Giro no meu ego,
recito poemas.
Nessa tarde vazia
me misturo ao tempo.

Eu sei que sou vazio,
mas fico cheio de você.
Transbordo, e o meu raio
de órbita se expande.

Tudo ganha som, cor e texto.
Preciso dizer que ao teu lado,
eu me torno mais poeta e mais humano.
Você completa minha redondilha manca.

- Caio Augusto Leite

Em tudo o Eu

Eu - qualquer coisa de essência.
Não há Tu e nem Ele que me salve.
Eu - todo o universo centrado
numa única cintura.

Indo ou ficando - dá no mesmo.
A morte está em mim.
Lá fora o frio - depois o sol.
Aqui dentro a saudade vil.

Subjetivo, egoísta, individualista.
Não adianta tanto cuidado:
No fim só resta o Eu.

A tristeza tem moradia fixa.
A felicidade que é visita,
um Eu dentro do Tu.

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Gestação

Uma gota caiu no infinito
e do ventre em vácuo
a luz se fez.

Uma esfera emergiu,
pouco a pouco,
linda e repleta de vida.

Dois grandes satélites orbitam,
lado a lado, cheios dum líquido divino:
chuva fértil para a terra que virá.

No núcleo da terra boa,
o magma se torna sólido
e a nudez se acentua na flor mais íntima.

Sonhos, desejos, posteridade.
A herança genitora dividida
em vinte e três pares.

Um ciclo, a espera, a rebentação.
E do nada do universo a voz se fez,
ruidosa e explosiva, num choro de criança.

- Caio Augusto Leite

Poemas de reflexão, subordinação e iluminação

Ato I - Pela Natureza - desastre

A chuva caía soberana.
Sob o asfalto escorregadio,
rodas giravam.

Um momento de descuido,
o estrondo no poste.
Um estrondo nas vidas.

Todos puseram as cabeças para fora.
A rotina do bairro rompeu-se:
faltava luz.

Por instantes todos se uniram.
E por mais irônico que pareça
a desgraça nos igualou.

Éramos pequeninos, indefesos, tolos.
Oprimidos pela falta de energia:
- Éramos apenas homo sapiens.

Ato II - Submissão à cidade

Escrevo, mas quase não enxergo o papel.
Estou numa quase escuridão,
O poema não vai sair bom.
Minha caligrafia aos trancos e barrancos.

Estou no escuro físico.
Mas minh'alma também não enxerga.
Não enxerga que a vida é curta.
Breve como uma batida de carro.

Estou no escuro - poema ruim.
Não consigo pensar: amor, universo, regras ortográficas.
Tudo me escapa - só fica o cansaço.
Cansado de depender tanto de um poste de concreto.

Ato III - Iluminação crítica

O resto do dia foi Idade Média:
absoluto breu de ideias.
Nada pensei, nada quis.

Depois de uma noite mal dormida.
De luz de vela na cara.
De sonhos estranhos, eis que acordo.

A luz de volta. De volta a voz.
De volta o lirismo - eu de volta.
Era agora iluminação - mente aberta.
É preciso acender a luz dos outros.

É preciso colocar mais postes:
poste livro, poste amor,
poste cultura, poste Manuel Bandeira.
Precisa-se também retirar os cactos das avenidas.

- Caio Augusto Leite

sábado, 26 de novembro de 2011

Letroca

Alma, mala, lama.
Colar, coral, Carol.
Calma, cala, clama.

Namora, aroma, romã.
Roma, amor, amora.
Louça, louca, louçã.

Acorda, recorda, discorda.
Corda, corta, troca.
Sopra, prosa, rosa.

Guimarães Rosa,
Eu Raso.
Não sei fazer poema.

De trelas fiquei.
Nada escrevi,
as letras troquei.

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Sonetando

Esse verso que antecede o outro,
inicia uma forma clássica.
O terceiro já vai fechando
e este já rompe a estrofe.

Vou dando continuidade
e aos poucos criando a tensão.
Jogo alguma dúvida no ar,
coloco o tema em contra-mão.

Vou resolvendo os impasses,
ou então aumentando os dilemas.
Se é pra falar, esse é o momento.

Pois aqui se conclui toda ação,
depois de catorze versos, quatro estrofes
está consumado o soneto.

- Caio Augusto Leite

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Consolação

Não cubra de névoa teus belos olhos
e não saia daqui pra chorar de novo.
Não cala a tuz voz com soluços,
não trema teu corpo por motivo injusto.

Se amou, ama mais uma vez.
Se sofreu, você não foi a única.
Recolhe o teu leito e não espere mais,
não fique triste se Jatir não veio.

Não fica assim, teu beijo é meu.
Não fica assim, meu anseio é teu.
Mas não dê a felicidade que é tua
para vestir uma alma que vive nua.

- Beija, abraça, corrompe.
Mas saiba que o sorriso do amado
não poderá nascer, se para isso,
o teu tiver que padecer.

- Caio Augusto Leite

domingo, 20 de novembro de 2011

Encontro onírico com Vinícius

Sonhei com o poeta.
Abracei-o com força.
Foi bom encontrá-lo aqui
no âmago da minha mente.

Depois de soltá-lo do abraço,
um pouco dele ficou em mim.
Foi sonho, foi intenso, vai durar.
Era como se o poetinha dissesse:

- Vai e derrama todo esse lirismo contido.
Derrama esses versos presos. Derrama a rima.
Que a poesia não pode morrer, dá-lhe estrofes.
E prova ao mundo que a nossa pátria ainda sabe poetar.

- Caio Augusto Leite

Boom - a flor canhão

Sobre meu sorriso paira a dúvida.
É o fim, o meio ou o começo?
Sobre meus ombros pesam mundos,
imundos, corruptos, vazios.

Dentro de mim se criam medos.
Intensos, pequenos, ilusões.
Fecho os olhos, e ainda enxergo.
As luzes, as cruzes, os crimes.

Crime é ir. Justiça é barrar.
Como seguir? Como cantar?
Nesses últimos tempos
a flor cansou de resistir.


E de repente
a flor também "boom"
virou canhão


- Caio Augusto Leite

Preso ao devaneio

Se de um lado te vejo e toco
pelo outro imagino e sonho.
Se de manhã te quero e omito
à noite devaneio e me deprimo.

Por um lado o corpo físico:
seus pêlos, seus lábios, seus braços.
Tudo que quero tocar.

Do outro, o semblante onírico:
seus medos, seus beijos, seu amor.
Tudo que não posso alcançar.

Por fora a imagem crua,
por dentro o sonho incoerente.
Por dentro a boca quer,
por fora é reticente.

Feito cupim, os sonhos avançam.
Vão comendo de dentro até o fora.
E como a flor machadiana, sem decidir,
morrerei na luz da aurora.

- Caio Augusto Leite

sábado, 19 de novembro de 2011

Saudade em dia de chuva

Uma casa, uma fruteira, uma lâmpada acesa.
Uma mesa de jantar, uma fresta na janela.
A chuva caindo, um pedaço de telhado,
galhos, folhas, uma parede ao longe.

Por fora tudo continuava normal, era a Natureza vivendo.

Um pensamento, um beijo, uma memória recente.
Um querer, um abraçar, um nome.
A mão direita escrevendo, a folha não mais em branco.
Palavras, versos, qualquer coisa se fazia.

Por dentro o coração partia, era o Amor morrendo.

O vento no rosto, um trovão, o frio da madrugada.
Uma lágrima, um arrepeio, a saudade indesejada.
O sono, a rua, o bocejo, a lua.
Os carros, a carência, o lá e o aqui.

Por fora ou por dentro, já não sabia - em todo canto o desalento.

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Proclamação do primeiro ósculo

Primeiro andar, quase meio-dia.
Toques, carinhos, ansiedade.
Coração turbulento, afetos.

Sábado, o sol na janela.
Os olhos fechando-se
as bocas abrindo-se.

Tão perto, mais perto.
As palavras morreram
na boca um do outro.

A frase inacabada,
as mãos desajeitadas
e o tempo ruindo.

A concha se abrindo
em ondas, em gotas
de saliva quente.

O tempo volta a correr
mas algo mudara sem querer
de forma imperceptível.

Por fora ainda era o mesmo,
por dentro a grande revolução.
As bocas unificaram-se num só Estado.

- Caio Augusto Leite

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Gesso

Esta minha estatuazinha de gesso, quando nova
- O gesso muito branco, as minhas linhas muito puras -
Mal sugeria imagem da vida
(Embora a figura chorasse).
Há muitos anos tenho-a comigo.
O tempo envelheceu-a, carcomeu-a, manchou-a de
[pátina amarelo-suja.
Os meus olhos, de tanto a olharem,
Impregnaram-na de minha humanidade irônica de tísico.

Um dia mão estúpida
Inadvertidamente a derrubou e partiu.
Então ajoalhei com raiva, recolhi aqueles tristes fragmentos,
[recompus a figurinha que chorava.
E o tempo sobre as feridas escureceu ainda mais o sujo
[mordente da pátina...
Hoje este gessozinho comercial
É tocante e vive, e me fez agora refletir
Que só é verdadeiramente vivo o que já sofreu.

- Manuel Bandeira

As três meninas


Há muito abandonei meu lar. A casa em que passei alguns momentos de infância. Ali construí castelos, montei festinhas, tomei chá com ursos, beijei príncipes vindos de cavalo branco. Ali naquele pedaço de quintal eu vencia a solidão que me angustiava e me prendia. Sabia ser feliz – sabia muito ser feliz. Mas por motivos irrelevantes para a criança que eu era, me vi dando adeus aos sonhos que ali plantei bem do lado da laranjeira frondosa. Fui-me então, em meio a lágrimas e corações partidos, para o desconhecido. Cheguei ao novo lar, distante, apertado, pequeno para conter o meu querer. Não cabia no novo espaço todos os sonhos e nem todas as esperanças de uma criança tão inventiva como eu. Expeli de mim coisas que eu não sabia de onde vinham, mas que saíam do mais íntimo de mim - foi a minha primeira partida, puramente física.
Há pouco tempo passei pela antiga moradia e não havia mais nada. Pelo quintal tão grande, para a pequena criança de outrora, foram erguidas paredes de concreto frio. As árvores foram arrancadas, junto com meus sonhos mais puros e inocentes. Agora ali se encontravam dois grandes sobrados – era a natureza virando dinheiro – era o passado virando futuro. Meu coração doeu, minhas mãos tremeram, minha voz embargou. Ninguém tinha o direito de podar minhas memórias dessa maneira. Ninguém tinha o direito de quebrar meu coração dessa maneira. Quem ele pensa que é? Era preciso se reerguer dessa traição amarga – foi a minha segunda partida, dessa vez puramente emocional.
Hoje deixei minha casa, sob falsos pretextos, para plantar novos sonhos em terras tão distantes. Era eu querendo ser criança novamente, querendo brincar de ser feliz, brincar de conto de fadas, brincar de amar. Era eu querendo suprir as faltas que tive – Freud explica. Bati a porta de casa e fui-me, corri pelas ruas esburacadas, tomei chuva, tomei sorvete, escorreguei num barranco coberto de lama, era bom ser criança novamente. Fui criança nesse instante, pois era a última vez que poderia ser. Sequei o corpo, lavei a alma, corri de encontro à boca feliz que me engolia e me fazia outra. No abraço, no toque, no beijo molhado e então a criança deixou o medo. O tempo passou – girou num cata-vento. Era o corpo alheio um novo lar que se formava. E ali poderia plantar quantos sonhos quisesse, o solo era fértil. Ali venceria quantas guerras fossem declaradas. Essa foi minha terceira partida – de menina para mulher, deixei a boneca e fui pra vida.

- Caio Augusto Leite

domingo, 13 de novembro de 2011

Poesia de flor, mas não seria de amor?

E do toque urgente e mesmo assim calmo,
um punhado de sementes caiu no meu poema.
Da saliva doce e ácida, brotaram flores tão formosas.

Em meus versos um jardim surgiu, lindo e forte.
E o néctar atraiu abelhas, borboletas
e do coração e das estrofes se desfez a dor.

Quem sabe o quanto viverão as flores?
Eu que não quero saber, deixo o tempo responder.
Falei tanto de flor, mas sabes que são apenas metáforas.

Toda fauna e toda flora que invoco aqui,
são só pretextos para o que quero lhe falar.
Tudo em minha lírica só quer saber do teu amar.

E disse-me um velho amigo, de terra distante,
de língua irmã e nome de gerúndio.
- É assim mesmo, caro poeta, a poesia só sabe disfarçar.

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

É contra? Conta outra

Sou contra o do contra.
Quem é do contra que seja por conta.
Mas não seja contra a minha vontade
de ser contra o contra.

Quem é a favor, também é contra o contra.
E quem é contra é a favor do contra.
Eu não posso ser contra, sem ser a favor.
Eu não posso ser a favor sem ser contra.

E num rodar infinito de possibilidades
vou sendo contra. Vou sendo a favor.
Vou sendo nada contra, mas quem for contra mim
que me aguente pois serei a favor de mim.

De ti eu serei contra!

- Caio Augusto Leite

Poesia desconcreta

E andando por ruas indizíveis,
reparei no sólido concreto das calçadas.
Que estranha substância era essa
que corpo inteiro e ao mesmo tempo separado.

Calçadas de cimento queimado.
Calçadas de piso, de ardósia.
Algumas intactas, outras rachadas.
Limpas, sujas, tantas calçadas?

Não, é só uma! Com tantas partes.
O poeta é calçada, retalhado em versos.
Fragmentado em estrofes e único
no seu lirismo multifacetado.

Quando termino meu texto
coloco uma placa sobre meus versos novos:
Não pise, poesia fresca.
Mas leia, para que ela não endureça.

- Caio Augusto Leite

domingo, 6 de novembro de 2011

Corpo de poeta

No quase-verde dos meus olhos,
vi meu quase-reflexo.
Me achei bonito pela primeira vez.
O talhe do tempo me fez bem.

Não, não era uma beleza fundamental.
Não era uma beleza heróica,
de Aquiles ou Heitor.
Era a beleza da expressão.

Suspenso na imagem difusa pairava o poeta.
Que mesmo longe da beleza canônica sorria.
Um sorriso de seis pés, repleto de ironia.

Sabia ele que tal beleza se eternizaria,
pois a poesia em teu corpo habitava
e de estrelas a pele nua lhe vestia.

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Florescendo ao amanhecer

Podaram todos os meus direitos:
não se pode mais chorar,
não se pode mais querer,
não se pode adoecer.

Amar então, nem pensar.
E me comparam aos felizes homens,
que são felizes por serem homens.
Triste de mim, que já não sabe quem é.

Poderia ser vida, se houvesse paz.
Poderia ser lindo, se houvesse luz.
Poderia ser grande, se houvesse chuva.
Mas me plantaram nesse solo pobre.

Eu que nunca pedi muito, rezo, imploro: polinizem-me.
Espero sem muita convicção o nascimento da flor.
Mas na fria madrugada, à espera de um ônibus qualquer,
sei que perderei a minha preciosidade.
O perfume da dama da noite ainda no ar.

Abrindo pétala a pétala
o androceu varão e fértil.
Daí virarei homem.
Beijo na estátua!

- Caio Augusto Leite